1. |
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1. Dance pra que chova
(Giancarlo Frabetti)
Um brinde com um copo d´água
Capaz que um dia falte
E aí, que é que cê vai fazer?
Pense que até ela acaba
Se fica imprestável pra se beber.
Mas pode ser tanta coisa...
Veja que pra tudo tem um especialista
Que manja muito sobre nada
Só que acha que só ele que sabe como explicar.
Eu sei que todo tempo é pouco
Sei que de esperar, morreu
Sei que o piloto falha
Sei que palha não é incêndio
Mas acende fogaréu.
Eu sei que o cantor é rouco,
De tanto que gritou, emudeceu
Parece que São Pedro é um canalha
Que atrapalha seus esquemas de uma nuvem
lá do céu.
Então dance pra que chova
Reze pelos fiéis
Cuidado com o Cunha
Com o hiato na coluna do tiozinho de chapéu!
A lente da câmera embaça
Contanto que a novela acabe antes do futebol
Tá tudo sob controle.
No dia seguinte, o repórter vai dizer
Que a tua vida tá em risco
E que o tempo vai tá firme
Apesar da umidade baixa.
Pegue seu casaquinho
Que de dia vai tá quente
Mas de noite vai esfriar!
Então dance pra que chova
Reze pelos fiéis
Cuidado com o Cunha
Com o hiato na coluna do tiozinho de chapéu!
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2. |
Pelo de rato
04:52
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2. Pelo de rato
(Giancarlo Frabetti)
“Aceite o meu apoio, Vieira.
O nosso presidente quer ser um novo Napoleão
e Diaz um novo César!
Somente você tem condições
para ser um novo Lincoln!
Um candidato popular!”
(Modesto de Souza e Jardel Filho em “Terra em Transe”, de Glauber Rocha - 1967)
O homem certo na hora certa
Ói que coincidência
O mundo é dos espertos
Pelo de rato dentro da despensa.
O chão aberto
O fim mais perto
E cada dia mais.
Quem sabe ao certo
Onde esse trilho pode nos levar?
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3. |
Alteridade
03:17
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3. Alteridade
(Giancarlo Frabetti)
“Bom dia, neoliberais! Agentes do imperialismo!
Parece evidente que eu sou aquele elemento que discrimina
Que prega o ódio
Que desqualifica alguém chamando de gordo e preto.
Tão hegemônico, na própria imprensa
Que no fundo quer fazer de tudo pra calar aquele povo pobre
Escolas, universidades, essa… esquerda organizada
Esses movimentos de… minorias
Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transex.
E eu sou idiota,
Racista.
O nordeste sempre foi retrógrado
Sempre foi bovino,
E o continente africano existe hoje sob a maldição patriarcal
Lançada pela boca de Noé.
Eu sou da posição de discriminar religiões
Ããhn… ah, gays.
Defensor da ditadura, reaça, coxinha.
Tenho grandes simpatias pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra...
A gente às vezes é um pouco como palhaço, sabe?
Vai pra rua, bota roupa verde e amarela
E ainda vira piada.”
(Esta é uma obra de poetização.
Qualquer semelhança com fatos ou pessoas reais
Terá sido mera coincidência)
É sempre o vizinho que fala com sotaque
Que tem um jeito estranho
E que tem ligação com as FARC.
Hoje, confuso
Amanhã, um cão de guarda
Em festa a fantasia
Cai melhor essa tua farda.
Baba de ódio, espirra perdigoto
Como é difícil aceitar que existe o outro.
Mas eu quero rir de mim mesmo no espelho
Espalhar boatos da minha vida em segredo
Desconfiar quando eu vestir vermelho
E ficar indignado quando eu não entender a mim mesmo.
É sempre o imigrante que rouba seu emprego
Que vira traficante
E tira seu sossego.
Hoje, confuso
Amanhã um cão de guarda
Em festa a fantasia cai melhor essa tua farda.
Baba de ódio, espirra perdigoto
Como é difícil aceitar que existe o outro.
Mas eu quero rir de mim mesmo no espelho
Espalhar boatos da minha vida em segredo
Desconfiar quando eu vestir vermelho
E ficar indignado quando eu não entender a mim mesmo.
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4. |
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4. Selene
(Giancarlo Frabetti)
Por vezes ela é um sorriso de prata lá no alto
Mas também pode abrir o seu olho vermelho no escuro
Lançar um fio de luz que reflete no rio
Ficar de cara virada pra não ver o mundo.
Só ela permanece
Quando tudo vai passando
Diante do meu olhar
Que se vê atravessando
O vidro da janela do ônibus na estrada
A corrente de pensamentos que me afoga
Um ponto de certeza enquanto tudo vaga
Mas também o encantamento de uma droga.
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5. |
Manhã
05:24
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5. Manhã
(Vladimir Maiakovski - Tradução de Augusto de Campos e Boris Schnaiderman)
“I've seen things you people wouldn't believe.
Attack ships on fire off the shoulder of Orion.
I watched C-beams glitter in the dark near the Tannhäuser Gate.
All those moments will be lost in time, like tears in rain.”
(“Tears in rain monologue” interpretado por Rutger Hauer -
Em “Blade Runner”, de Ridley Scott - 1982)
A chuva lúgubre olha de través.
Através
da gra-
de magra
os fios elétricos da idéia férrea -
colchão de penas.
Apenas
as pernas
das estrelas ascendentes
apóiam nele facilmente os pés.
Mas o des-
troçar dos faróis,
reis
na coroa do gás,
se faz
mais doloroso aos
buquêshostisdasprostitutasdotrotoar.
No ar
o troar
do riso-espinho dos motejos -
das venenosas
rosas
amarelas se propaga
em zig-zag.
Ag-
rada olhar de
trás do alarde
e do
medo:
ao escravo
das cruzes
quieto-sofrido-indiferentes
e ao esquife
das casas
suspeitas
o oriente
deita no mesmo vaso em cinza e brasas.
1912
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6. |
A perspectiva é sinistra
03:43
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6. A perspectiva é sinistra
(Giancarlo Frabetti)
De cada dez palavras que saem no jornal
Quantas se aproveitam?
Pegue sua boa intenção pessoal
E vai ver se tem alguém que aceita.
Daquela multidão de verde e amarelo
Quem pagou o ingresso?
Pra sessão de horror com glacê de comédia
Da ordem e progresso.
A barca segue reto
(Sempre em frente, avante vai!)
Rumo ao iceberg
(Vai, vai, vai!)
Tem champanhe rolando
No entanto, a barca sempre reto segue.
A conjuntura é crítica
(Tá moiado, tá sujo!)
E a perspectiva é sinistra
(Tá moiado, sujo, tá!)
Ao menos pra quem não faz
Papel de vigarista.
Quantos carros, antes de abrir o farol
Já roncam e aceleram?
Olhe pros dois lados, tenha cuidado
Por que eles ainda te atropelam.
Como se um sujeito bom de piada
Já fosse um bom sujeito
Mesmo que na prática seja um escroque
e pra todos os efeitos…
a barca segue reto.
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7. |
Ódio à cidade
03:48
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7. Ódio à cidade
(Giancarlo Frabetti)
Poucas estrelas brilham na tua noite
Pois tu tens luzes próprias
Que roubam as do céu.
Dizem que do alto
Quando te escondes do Sol
É possível ver-te acesa em meio à escuridão.
Os sons da tua orquestra
As cores sobre os muros que te cercam
Os cheiros de gordura e de merda
Tua insônia pra casar com a minha.
Esses rios de sangue
Que correm nos teus vales
Vertem dos corpos que tomaste pra ti.
Jogados nas tuas sombras estão os seus rejeitos
Enquanto luzes piscam
E a gente agoniza no teu peito.
Os sons da tua orquestra
As cores sobre os muros que te cercam
Os cheiros de gordura e de merda
Tua insônia pra casar com a minha.
“Tá me parecendo que pro senhor Prefeito
É apenas algum tipo de vaidade
Ou quem sabe até um problema estético.
Por que pra mim
eu acho que o que interessa a esse homem
É que aqui fique bonitinho, não é?
Eu também acho que tem que ficar bonitinho.
Só que os fins não justificam os meios.”
(Depoimento sobre a política do
prefeito de São Paulo, João Dória Jr.,
na região da cracolândia
Para o coletivo A Craco Resiste
Publicado pelo canal Mídia Popular - janeiro de 2017)
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8. |
De quem é o pedaço
03:42
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8. De quem é o pedaço? *
(Giancarlo Frabetti)
A gente que respira o mesmo ar
Que, contudo, tem sua parte
Cada um pra si
Se esbarra na estação
E se enfileira esperando o caixa abrir.
Bolo de areia
Frankenstein gigante
Desfilando de sereia no carnaval
Sorvete de gesso
Cosmos do avesso
Órbitas em colisão
Na avenida principal.
Um naco desse chão
Tem que ter pra cada um
Mas sai da minha frente
Que eu quero ver o mar.
Prédios pela orla
Fantasmas na TV
Antenas no Jaraguá
E o relógio que não quer parar.
* Baseada na obra do geógrafo Armando Corrêa da Silva.
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9. |
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9. Cidade Antiga
(Rebecca Braga)
“A balança pesa a fome
A balança vende o homem
Vende o peixe
Vende a fome
Vende e come
A fome vem de longe
Nas canoas
Ver o peso”
(Do poema “Ver-o-Peso”, de Max Martins, no documentário “Porto Max”,
do coletivo de documentário da Fundação Curro Velho - 2009)
A temperatura da tua voz
O grito rouco e ácido
Corrói as paredes brancas da casa
Avança pelo corredor vão
E voa pelas ruas da cidade antiga
Por entre o casario colonial
Igrejas e azulejos de Portugal
O santo liberto
Palacete, janelas.
O chão de pedras
O relógio suspenso
A cidade do tempo
A cidade do tempo...
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10. |
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10. Humor grosso e maldito
(Giancarlo Frabetti)
Todo amor que houver nos palcos do mundo
Todos os palhaços chorando à toa
As vozes das ruas todas cantando junto
O túmulo do samba tomando banho de garoa.
Chega, vem dar ideia
Mostrar como faz
Dar voz ao silêncio
Amplificar o grito.
Numa noite suja
Dois perdidos se encontram
No beco dos ocultos
Na boca dos aflitos.
Jogaram um livro na sarjeta
Pensando que ninguém mais leria
Mas eu li e repito
Que os palcos, os palhaços
E também as cartomantes
Não vão mais se esquecer desse humor grosso e maldito.
“Eu conto história das quebradas do mundaréu
Lá de onde o vento encosta o lixo
E as pragas botam os ovos.
Falo da gente que sempre pega a pior,
Que come da banda podre,
Que mora na beira do rio
E quase se afoga toda vez que chove
E que só berra da geral sem nunca influir no resultado.
Falo dessa gente que transa pelos estreitos, escamosos e esquisitos
Caminhos do roçado do bom Deus.
Falo desse povão
Que apesar de tudo
É generoso, apaixonado, alegre, esperançoso
E crê em uma existência melhor na paz de Oxalá”
(Plínio Marcos, na abertura do LP “Nas Quebradas do Mundaréu” - 1974).
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Giancarlo Frabetti PA, Brazil
Instrumentista, compositor e produtor do ABC paulista, atualmente radicado em Belém do Pará.
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